quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Pai Bruno

Minha primeira viagem à Bahia foi bem interessante. Eu e Eduardo - meu velho companheiro de aventuras de estrada - fomos incumbidos de levar o carro do nosso chefe pra Salvador. Poderíamos ter levado outro maluco, o Tadeu. Mas quando tivemos que optar entre ele o Catatau - nosso isopor de cerveja - bem, acho que não preciso entrar em detalhes.

Os primeiros 800 km, até Bom Jesus da Lapa foi até bem tranqüilo. Eu nunca tinha visto tanto buraco numa estrada. Sim, parecia um queijo suíço gigante com uma faixa amarela no meio. Vários pequenos pedaços de asfalto num enorme buraco. Tá, ok, talvez eu esteja exagerando um pouquinho. Pois bem, o Eduardo já estava fulo da vida comigo, porque eu consegui cair em todos os buracos que existiam. Se por um acaso, a estrada estava perfeita e aparecia um único buraco, eu caía nele. Talvez fosse o som alto ligado que o fez gritar comigo uma hora, e usando uma boa técnica psicológica que me marcou bastante. Ele gritou assim:

- Porra Bruno, não tenta desviar mais, acerte os buracos! Mire o carro neles!
Bem, como eu sou do contra, claro que eu errei todos a partir dai e um sorriso nojento apareceu no canto da boca do Eduardo.

Como minha euforia pra chegar logo na terra colorida era grande, toda hora eu perguntava:
- Já chegamos na Bahia?
E o Du respondia:
- Não, ainda não.
Mas eu, mais ou menos como o burrinho do Shrek fez enquanto tava indo pra Far Far Way, continuava:
- E agora? Já chegamos na Bahia?
Meu companheiro de aventura até que é um cara bem paciente.

Bem, perto de Lençóis, nessa brincadeira de ficar enchendo o saco dele, eu desviei minha atenção e adivinhem - acertei um belo de um buraco. Na mesma hora descemos do carro pra ver o tamanho do estrago. Eu coloquei a mão na cabeça desesperado e gritei:
- Vou perder meu empreeeeeego!
(Pobre é foda, nem chegou nas férias e já começa a calcular a vida apenas com o dinheiro do seguro desemprego). O Eduardo olhou bem pro pneu. Não tinha furado, apenas amassou um pouco a roda de ferro. Então ele disse:
- Dá tempo!
Ele nem pensou duas vezes em tirar as chaves da minha mão e assumir o comando. Dirigindo feito louco no meio daqueles buracos, chegamos numa cidade pequena ainda com o pneu sem ter esvaziado por completo. Um negão 2x2 chegou, olhou e disse:
- Humm a jante, vai levar uns 5 minutinhos.
Eu, na dúvida respondi:
- Prazer, o meu é Bruno.
(Que diabos era "jante"?) Não sei se ele não entendeu ou se fui eu que não entendi, então preferi ficar na minha. Passados os 5 minutos, quando percebi que meu emprego estava salvo e que jante nada mais era que a roda do carro, perguntei:
- Quando eu devo?
O negão respondeu:
- Ô meu rei, deixa algum pra cumê água.
Pensei:
- Fudeu, que porra é essa?
O Eduardo na hora olhou pra mim, segurando a risada e disse:
- Brunão, agora sim, estamos na Bahia! Cume água é tomar uma... cerveja!

Eu fiquei tão feliz que olhei pro cara e disse:
- Maluco, cervejinha é o caraleo, você vai tomar é whisky!
E tirei do carro uma garrafa de Red Label. Os olhos do negão brilharam na hora, e no entusiasmo de uma criança vendo seu Atari novo disse:
- Caraca, é de verdade rei? Péra ai que eu vou buscar gelo!
Esse negão me voltou com um copo maior do que aqueles baldes de refrigerante do McDonald's. Tomamos uma com ele e seguimos viagem.

Até Feira de Santana, tudo ok. A partir dali, quem assumiu o volante foi o irmão do Eduardo, o Gustavo, e com isso, meu companheiro Du, pode se juntar a mim na difícil missão de encher a cara nas terras onde o Brasil foi descoberto. Mais 100 km e chegamos a Salvador, mas nosso destino final ainda estava a 240 km ao norte, subindo a linha verde - Sítio do Conde, esse era o nome do paraíso com praias desertas, coqueiros balançando e uma nova fonte de renda e inspiração que nos aguardava.

Depois de Costa do Sauípe, antes de Mangue Seco, é o mais perto da localização desse paraíso que estou autorizado a falar. Se eu disser exatamente como chegar lá, teria que matar vocês depois. Chegamos à casa da Carol (hoje, esposa do Eduardo). Cansados? Muito. Dormir? De jeito nenhum! Tomamos o restinho que sobrara daquele litro de whiski (o copo do negão era realmente grande) e abrimos outra garrafa. Estávamos sentados na varanda da casa, que ficava em cima de uma duna, há não mais que uns 20 metros do mar. De lá, dava pra sentir a brisa batendo, o cheiro de maresia e o chuá das ondas sem parar.

- Praça!
Disse o Eduardo pulando da cadeira onde estava.
- Vamos comer água na praça!
Reforçou a idéia de forma que agora, todos entenderam. (Nessa altura eu também já compreendia algumas expressões desse fantástico dialeto tupiniquim). Toda cidade pequena tem uma praça onde o povo que se encontra nos veraneios para beber. O fato de ser por volta das 4 da manhã não importava, levando em consideração que era véspera de ano novo, ninguém dorme nessa época.

Chegando na praça, muitos malucos bêbados amigos do Eduardo e eu sem conhecer ninguém. Mas isso era de longe um problema. Não existe povo mais acolhedor que o baiano. Em menos de uma hora eu já era praticamente amigo de infância de boa parte das pessoas que estavam ali naquela noite. O primeiro que eu conheci foi o dono da barraca de capeta, o Mécio. Quando nosso whisky acabou, e o Eduardo foi lá na casa da Carol pegar mais uma garrafa, ele virou pro Mécio e disse:
- Mécio, cuida desse meu amigo de Brasília pra mim, ele ainda está meio perdido.
Rá rá rá. Qual não foi o susto do Eduardo quando voltou e me viu "dentro" da barraca do Mécio gritando pro povo:
- Olha o capeta do dente torno, é de Brasília mas não tá morto – É 1 real gente fina!
O Du não sabia se ria pelas merdas que eu falava (que não faziam o menor sentido) ou pelo fato de eu ter conseguido atrair uma fila pra frente ta barraca do maluco! Depois de ter inventado umas 4 receitas de capeta diferentes (sem sequer cobrar direitos autorais), sentei pra descansar um pouco e continuar tomando meu whisky... foi quando as coisas aconteceram...

Sentou uma guria linda do meu lado, e eu, todo metido a conquistador, resolvi flertar com ela, utilizando o xaveco mais interessante q eu achava que tinha na época: astrologia. Signo pra cá, ascendente pra lá, características assim, jeitos assados e o papo foi fluindo. A guria se interessando e o povo chegando, ouvindo de rabeira e prestando mais atenção. Foi quando eu percebi que tinha algo estranho. Num determinado momento, onde o papo com a guria fez uma pequena pausa, outro louco cortou a gente e disse:
- Ei, agora sou eu, sou de sagitário.
Eu fiquei olhando pra cara daquele insano sem entender direito, fitei o Eduardo meio assustado que fazia um sinal de ok e sussurrava algo do tipo:
- Vai, fala, está tudo bem.
Bem, me empolguei e destrambelhei a falar dele, do signo, da mãe, do irmão, dos negócios e a ligação que ele tinha com relação ao processo que estava vivendo e daí pra pior. Em menos de trinta minutos aquele maluco foi saindo de perto chorando e gritando:
- Eu sabiaaaaaaa, é por isso que minha mãe gosta mais do meu irmão do que de mimmm!
Assim que ele saiu, outro sentou na minha frente e disse:
- Escorpião!
Dessa vez eu olhei pro Eduardo em pânico, mas ele tava do outro lado da rua conversando com mais uns quatro. Forcei o ouvido pra saber o que eles diziam e consegui entender o Du resmungando muito sério algo do tipo:
- Não meu rei, o negócio é o seguinte, não dá pra fazer por menos não. O Pai Bruno cobra em Brasília 150 reais a consulta, está fazendo aqui por 30 só porque é meu amigo e você ainda quer desconto? Larga de ser miserável rapaz! É sua vida que está em jogo!
Quando olhei pra mão do Eduardo e vi aquele chumaço de dinheiro... incorporei. Até previsão eu fiz. Teve até um camarada riquinho que queria pagar a tarifa cheia de Brasília pra furar fila! Uns quatro choraram e pelo menos meia dúzia saiu pulando de alegria.

Depois de um tempo, chamei o Du do lado e disse pra ele que eu não agüentava mais ouvir problemas dos outros e resolvemos parar. O sacana do Eduardo ainda fez uma propaganda que a partir daquele momento eu não deveria ser importunado e que eu voltaria dali a um ano para atender aqueles que não tiveram oportunidade.

Dizem as más línguas que dois esperam até hoje para uma consulta, um se separou da mulher porque descobriu que realmente estava sendo traído e pelo menos cinco me juraram de morte.

Mas isso tudo não passa de lenda. Eu não sou do tipo que confia em boatos, previsões e dá ouvido a esses comentários maldosos. Sou muito pé no chão. Esse tipo de insanidade é pra essa galera que não tem mais o que fazer e fica falando sobre astros, inferno astral, júpiter na casa 8, marte na 7, retorno de saturno, ou seja, essas besteiras sem fundamento.

Mas se mesmo assim, você tiver interesse, hoje Pai Bruno está atendendo em Belo Horizonte. Mas olho aberto, pois a qualquer momento, ele pode estar na sua cidade!

Fique atento aos sinais...

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